meu lugar

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sábado, 13 de novembro de 2010

Conheci a história de Geraldo e André Peixoto há seis anos, durante reportagem de balanço da reforma psiquiátrica. André teve o primeiro surto, sinalizador da esquizofrenia, na passagem para a idade adulta. O pai, Geraldo, horrorizado com os grandes hospitais psiquiátricos por onde André passou, o retirou de lá, mudou a vida, trocou a carreira de executivo pela de professor de natação para ficar ao lado do filho. Nesses anos, tornou-se um militante do direito dos pacientes de não serem trancafiados em hospitais e clínicas, mas acolhidos por serviços ambulatoriais e pela comunidade.

Na primeira entrevista, Geraldo me surpreendeu por não esconder as agruras de viver com uma pessoa com uma doença psiquiátrica. Não dourava a pílula. Mas defendia com carinho sua escolha, com espaço para a leveza _como a história de um amigo da família, também portador de esquizofrenia, que insistia ser uma águia. Geraldo o acolhia como um pássaro. Naquela época, André não estava bem, os médicos não acertavam o remédio. Tentamos fazer uma foto de ambos, mas André não quis.

Coincidentemente, meses depois, encontrei Geraldo durante uma “blitz” dos conselhos de psicologia e do Ministério Público em grandes unidades psiquiátricas que ainda persistem em diversas partes do País. Em uma das instituições, lá estavam pacientes amarrados, sem roupa. Um deles perguntou a Geraldo se era “papai noel” (por causa da barba branca) e pediu: “alta”!

Depois de o poeta Ferreira Gullar chamar a lei da reforma psiquiátrica de “idiota” e de defender a internação dos filhos, quis ouvir novamente a opinião de Geraldo. Seguiam vivendo juntos. Sugeri novamente a foto de ambos. André estava cada vez melhor, disse o professor. Cuidava do pai. Estava cada vez mais companheiro, relatou Geraldo. E a foto deu certo.

Há cerca de uma semana, André, que tinha 47 anos, morreu vítima de um infarto do miocárdio fulminante, em casa, ao lado do pai. Compartilho com vocês, com autorização do autor, trechos da carta que Geraldo enviou a centenas de amigos e apoiadores:

Há exatamente sete dias, nesta mesma hora, André, meu filho querido, morreu. Tudo começou e terminou comigo. Muitos, sequer o conheciam. Outros, o conheceram, e outros, até o acampanharam e cuidaram dele. Estas pessoas ficaram, indelevelmente, imarcadas em nossa memória.

André nasceu duas vezes, uma, de Wilma, sua mãe, e a outra, de mim, quando o assumi, depois de retirá-lo de um hospital psiquiátrico. Portanto, sinto-me fiador de todo esse querer bem, que vocês todos têm demonstrado por ele.

Tive um privilégio, uma graça por viver junto dele essa experiência, absolutamente fantástica, nestes vinte e cinco anos, desde o dia em que o retirei de um hospital psiquiátrico, até aquele momento, em que o vi, estendido no sofá da minha sala. Ele foi o meu grande mestre, mostrou-me o caminho, o caminho que ele percorreu e que, apesar da violência das crises e, das crises de violência, foi paradoxalmente, delicado e extraordinário. A experiência foi “humana, demasiadamente humana”. Fui atirado à correnteza da vida e da psicose, deixando-me levar sem resistência, aceitando e usando-a a meu favor, sabendo, como bom nadador, que se não o fizesse, iria , apenas, me exaurir. A correnteza, agora queridos amigos, se diluiu, se desfez, deixando-me nadar livremente. A vida foi maravilhosa comigo, por ter-me permitido esse encontro.

Valeu a pena, garoto! Valeu muito a pena!

André vive! Ontem, André era o meu objetivo – hoje, deixou de ser, pois eu o carrego comigo…

Obrigado, obrigado, obrigado…

Geraldo

Fabiane Leite é repórter da área de saúde desde 1999, dedicada principalmente à cobertura de temas de interesse da saúde pública e dos planos privados de saúde.

4 comentários:

  1. Quem quer ficar com parente doente mental dentro de casa e acha lindo, problema é da própria pessoa.
    Respeite quem não deseja ser babá de doente mental! Carta do Geraldo é preconceituosa e o Gullar defende todo mundo. quer ficar com seu filho, fique, não quer, interne e não encha o saco dos outros!

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  2. Sinceramente, caro anônimo....
    espero que esteja sempre munido das suas faculdades mentais e não precise da sua família...

    Mas, pelo o que posso perceber, vc não assina embaixo do que pensa, portanto não preciso me preocupar muito.
    abs.

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  3. Não podemos nos esquecer que todas estas pessoas tem uma história a nos contar. Lendo seu texto não pude deixar de me lembrar de umas personalidades dessas que fizeram parte de minha infância. Hoje tenho novos olhares para elas.
    Parabéns pelo artigo e siga assim em paz.
    Beijos
    lucinda Prado

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  4. é Lucinda...
    precisamos perceber que todos têm seu lugar no mundo... não cabe a alguns definir quem pode ou não "estar" nele!!!
    Beijos.

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